domingo, 10 de outubro de 2010

Trabalho de Dramaturgia - 3º capítulo, 3 páginas – A Estrela Cor-de-Rosa (Início, Meio e Fim).

Não era baixo, nem tão alto quanto os outros garotos de quinze anos... mantinha os cabelos longos como os do avô – até os ombros –, tinha a pele parda, olhos castanhos e era magro, pelo menos aparentava isso debaixo de todas aquelas roupas gigantescas. Carregava consigo uma mochila abarrotada de papel, e, debaixo do braço, uma flauta vermelha.
Caminhava calmamente naquela pracinha, nos últimos dias estava na mesma rotina, saia do colégio, passava em casa pra tomar banho, trocar de roupa, almoçar algo e logo depois estava atravessando a rua pra sentar naquele mesmo banquinho de praça.
Alguns diriam que era apenas um estudante que estava pirando por causa do vestibular ou um louco varrido que não tinha vida social. Mas ele não ligava pra o que as pessoas pensavam dele, estava decidido a esperar dia após dia naquele banquinho, baixava a cabeça e esperava...

Depois de meia hora olhando pro chão ele ergueu a cabeça, procurava algo... mas não achava, dedilhava bobamente a flauta vermelho-sangue e tinha o olhar apreensivo. Jogou a flauta na bolsa, coçou a nuca, tamborilou os dedos no banco, levantou-se, andou de lá pra cá, chutou uma ou duas pedras e então olhou para o relógio... haviam se passado apenas treze minutos... suspirou enquanto olhava o céu e sentou-se novamente. Olhava pra os lados e as crianças que brincavam no escorregador atrás dele riam enquanto se divertiam. Ele ainda estava lá, esperando.

'Você me prometeu a estrela cor-de-rosa'.

Uma voz doce o surpreendeu, num salto caiu do banquinho e logo abriu um largo sorriso.

Ela era um pouco mais baixa que ele, pele cor-de-mel e olhos castanhos, lábios carnudos e o narizinho arrebitado o deixavam hipnotizado. Os longos cabelos castanho-escuros estavam amarrados numa trança que batia em sua cintura. Vestia uma blusa branca leve e a calça jeans de sempre, acompanhada de sandálias vermelhas. Carregava a bolsa do colégio... tinha demorado um pouco mais na aula, o professor decidira segurar a turma dela devido a bagunça. Ela o ajudou a se levantar e o abraçou, como se sentisse saudades.

'Eu sei, mas não posso te entregar hoje...'

'Tudo bem, mas eu quero ela até o final da semana tá? Você me prometeu.'

'Tudo bem, até o final da semana, eu te dou a estrela cor-de-rosa...'

Então ela saiu pelo lado oposto da praça demostrando um sorriso. Ele sorriu como se tivesse ganhado um beijo... ela finalmente dissera mais que duas palavras a ele, era quase como um sonho bom, e o sorriso dela? Ah! O sorriso dela o deixaria feliz até o fim dos tempos!

Puxou a flauta da bolsa.
Começou a tocá-la.
As crianças pararam de brincar e olharam para o garoto.
As mães das crianças pararam de conversar e viraram os rostos para ele.
No sinal do outro lado da rua os motoristas que estavam parados, olharam.
Um grupo de adolescentes que jogavam bola na quadrinha da praça interromperam o jogo pra ouvir.
Até pequenos sabiás silenciaram pra ouvir a melodia.
A única coisa que agora estava entre o som da flauta e o silêncio eram alguns motores ligados dos veículos.

Parecia mágica o modo dele tocar a flauta, como se apaziguasse tudo a sua volta. Agora os motores pareciam estar desligados, só se ouvia o som da flauta...

Então ele parou de tocá-la.
E todos voltaram a fazer o que estavam fazendo.
Ele não notou o que havia acontecido, levantou-se e voltou pra casa, do oitavo andar de um prédio próximo da praça, alguém o observava...

Já passavam da meia-noite da quarta-feira. Ele estava pulando o muro da sua própria casa para sair... carregava apenas sua flauta, mais nada.
O frio o obrigava a se vestir com roupas um pouco mais pesadas. Um blusão do seu time de hockey favorito – era estranho saber que, no Brasil, alguém gostava de hockey -, uma calça grossa, meias e sapatos. Correu até a praça e sentou-se no mesmo banquinho.
Sabia que aquela praça não era segura depois das oito da noite, mas que lugar fora aquele seria seguro? Olhou para os lados e não viu ninguém, preferia aquele silêncio do que gritos e ameaças a noite.
Olhou para o céu.
Estava nublado e feio, nada poderia passar por aquelas nuvens, nem a Lua, e estávamos a duas noites da Lua cheia...
Puxou a flauta e começou a tocá-la.
Mas nada acontecia.
O silêncio continuava o mesmo, e, na verdade, parecia até mais calmo depois daquilo, mas o céu continuava o mesmo...
Levantou-se e voltou pra casa, pulou o muro e logo estava em sua cama, pensativo.

'Tenho duas noites pra entregar a estrela pra ela... e logo hoje, o céu fica nublado! Não acredito!'

Então caiu no sono... e sonhou... não 'sonhou', mas recordou o que havia acontecido a mais ou menos dois meses.

Estava voltando pra casa quando decidiu parar na praça, sentou-se no banquinho e viu as crianças brincando, esticou as pernas e espreguiçou-se. Bocejou alto e coçou os olhos. Olhava de um lado pro outro mas não via nada de interessante, sabia que todo dia ela passava por lá, mas há algum tempo não a encontrava...

Então ela passou.

Olhou pra ele e acenou com um sorrisinho discreto, estava acompanhada de um rapaz, talvez seu namorado. Ele sentiu um aperto profundo no peito na hora... então voltou pra casa e dormiu durante toda a tarde... quando acordou já passavam das sete horas, então decidiu arrumar as coisas no quarto e achou sua velha flauta doce. Tinha um tom de branco morto e aquilo o incomodava. Procurou por alguma tinta entre seu material de desenho e mergulhou a flauta numa tinta vermelho-sangue forte... aquela cor chamava sua atenção.
Eram oito e meia quando decidiu dar uma 'escapulida' de casa e foi até a praça. Sentou-se no mesmo banquinho e desejou, desejou muito que tudo aquilo que ele vira naquela tarde não fosse verdade, que ela não estivesse com ninguém... decidiu começar a tocar a flauta...
No início, era um tom feio, triste, mas em poucos minutos parecia ter relembrado tudo o que sabia sobre flautas, e um pouco mais... sentiu como se o mundo coubesse em suas músicas, então, numa melodia mais triste, olhou para o céu e desejou forte. Uma estrela então, do nada apareceu...

Uma estrela cor-de-rosa.

Ela piscava e iluminava de acordo com a música, então ele a sentiu cada vez mais próxima, e cada vez menor, mas com um brilho infinito. Então parou de tocar e a pequena estrela que descera dos céus estava na sua frente, como se sentisse, a estrela pareceu sorrir e logo voltou ao céu...

Noite após noite ele voltava e fazia a pequena estrela descer, dançar e sorrir, até nas noites mais nubladas ou sem estrelas... então, há uma semana, perguntou para a estrela...

'Poderia te prometer a alguém?'

'Se for para algo puro, estarei prometida a quem você quiser...'

E desde então a estrela não aparecera mais para ele. E por mais que ele tocasse, por mais que ele quisesse, ela não aparecia.

Acordou.

Fez tudo o que vinha fazendo durante a semana, escola, almoço, praça, encontrar ela, tocar, estudar, jantar, fugir, tocar a noite e voltar frustrado. Quinta-feira e nada da estrela. Tinha apenas mais um dia, não, tinha menos de um dia pra conseguir a estrela pra ela, mas não sabia o que fazer...

Algumas horas haviam se passado... e agora ele estava naquele banquinho esperando ela para dar a má notícia, mas ela não apareceu. No fundo ele tinha algumas incertezas sobre aquilo, e certezas inda mais dolorosas do motivo dela não aparecer...

Primeiro, ela estaria apenas tratando-o como amigo, e, como prometera um presente, estava ansiosa, apenas isso... segundo, ela teria perdido uma aposta com amigas e agora era obrigada a falar com ele todo dia... terceiro, e talvez a pior certeza: estaria com o namorado, enquanto ele estava ali, esperando-a, como não deveria fazer, como fazia já a dois anos, sabendo que não tinha chances, apenas esperava...

Era oficial, ela não viria, as crianças já se arrumavam com suas mães para irem embora e o céu já estava escuro, algumas luzes da praça já estavam acesas, os carros passavam em menor fluxo e os rapazes já não jogavam bola, era hora do jantar.

Então tocou sua flauta, mas dessa vez era uma melodia triste, não fúnebre, mas tão triste que faria as nuvens chorarem, tão pura que traria a vida as paixões mais ardentes, mas tão triste que abateria a luz do Sol, ocultaria o brilho a Lua, tão pura que faria com que olhares fossem mais que suficientes pra dizer tudo, mas tão triste que apagaria as estrelas do céu...

Eram oito horas e ele não voltou pra casa. Decidiu ficar por ali. Sua mãe ligou pro celular e ele apenas respondeu que estava estudando, aquilo acalmaria sua mãe.

Então olhou para o céu e respirou fundo, tomou coragem pra levantar e o fez, mas antes que saísse alguém o abordou, era ela. Ele não quis olhá-la nos olhos, não tinha a estrela cor-de-rosa. Então ela o abraçou e agradeceu em silêncio.
Abriu as mãos e lá estava a pequena estrela, brilhando, pulsando como um Sol...

'Ele veio até mim hoje a tarde, disse que estava ouvindo uma música muito triste.'

Ambos sorriram, ela soltou a pequena estrela que retornou feliz ao seu lugar, e os dois, depois de tanto tempo, por mais que quisessem falar tudo, não conseguiram dizer nada, pois seus olhares diziam mais do que as palavras podem expressar.

(Allan Wagner, 19:32 – 20:45, 10/10/2010)

Nenhum comentário:

Postar um comentário