segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Remar.

Eu quero remar, procuro força pra remar, mas não sei, não aprendi, acho... acho que já remei algum dia, aprendi, não lembro com quem... mas sim, já remei... nadar, bem nadar eu já sei... já sei bastante, pois eu remava, acho que remei bastante, mas o barco que me ofereciam nem saia do porto e lá estava eu, lá no meio das ondas, nadando de volta pra margem. Uma vez quase me afoguei, é verdade! Parece incrível, mas eu fiquei boiando por três meses! Pois é... Um ano e pouco de viagem, e o barco simplesmente afundou. O capitão pulou primeiro e nem me avisou, só pulou, e eu afundei, quando já estava sem ar, qualquer coisa me puxou... Seja o que for, puxou. E eu fiquei lá, três meses, e estava doendo, meu corpo todo, doia e ninguém aparecia. Uma vez vi um barco tentando se aproximar, mas rezei... É, eu rezei um dia. Pra que ninguém chegasse perto. E funcionou, na verdade bem até demais. Então depois de seis meses eu consegui forças pra nadar, nadei forte, nadei rápido e alcancei o capitão que me deixara afundar com aquele navio.

E ele estava lá, me viu, eu sei que viu. Mas já estava n'outro barco, e eu conhecia aquele barco... Um barco que me atacou a distância e, quanto coincidência, o capitão também era o mesmo. Então pensa comigo, aquele capitão que eu defendi por um ano e pouco de viagem já tinha me atacado antes... Duas vezes, a primeira vez, há anos, atacando direto o barco que eu usava, e depois com o segundo barco, e agora, ele voltava pr'aquele segundo barco, e me atacava de novo.

Então eu nadei. Nadei pra longe. Nadei pra tão longe que esqueci o que é remar. E encontrei um novo barco, que me ofereceu abrigo, prazeres nunca antes imaginados, e muito, muito pouco a se fazer. Eu não remava, meu capitão era bondoso e usava velas, motores... tudo ia até bem... mas o meu antigo capitão atacou o barco e antes que eu notasse, eu já havia embarcado no barco do antigo capitão... por que? E meu último capitão... sim, aquele que ofereceu um barco com prazeres indescritíveis, arrumara outro tripulante. Sem nem mesmo saber se eu voltaria ou não.

Então eu vi meu antigo barco, estava belo, parecia muito mais forte, e oferecia remos. Eu quis remar. Quis reaprender a remar. Eu quis muito remar. Mas o capitão não permitiu, gritava comigo sempre que eu chegava perto dos remos. Então pra que tinha salvado minha vida? Pra que continuava a me manter no barco? Passei semanas olhando para os remos, passei semanas me arrastando pelos cantos do barco.

Então eu pulei.

Pulei e não olhei pra trás. Pulei e nadei com tanta força, com tanto afinco, com tanta vontade, que esqueci o caminho de volta. Cruzei com dois ou três barcos... pequenos, lentos, desavisados... mas sequer tive a chance de entrar de verdade. Um deles até foi atacado, e o outro me deixou uma carga especial. Destruído... Mas eu? E nadei. Nadei como nunca havia nadado, mais forte, mais vigorosamente, como um touro, eu empenhava toda minha energia, força, paixão pra sumir daquele mar.

Então próximo a costa me ofereceram novamente o mesmo barco, o mesmo remo, o mesmo capitão. Mas o capitão não aceita que eu leve minha carga, que até agora não sei se devo carregar ou entregar. O capitão não quer esperar, não deixa eu passar mais um minuto com a carga, e não aceita como eu estou a remar. Mas o capitão não me oferece as regalias dos barcos antigos, não me oferece prazeres inacreditáveis, não aceita minha carga, não aceita os portos que eu ofereço para descansar, e some. É, eu vi o capitão naqueles carnavais em Veneza! Por entre aqueles maravilhosos prédios, e me deixou amarrado ao barco. Sem saber onde estava.

Então, capitão. Eu estou tentando reaprender a remar, estou querendo carregar uma carga única, na qual lhe peço apenas tempo para que possa entender se devo abandonar ou carregar. Mas você não aceita. Esse barco está afundando devagar, e dessa vez, eu vou com ele até o fundo, debaixo d'água eu vou remar, vou quebrar os remos se necessário, vou quebrar meus braços contra a correnteza, vou fincar meus pés no convés. Mas a carga vai comigo. Meu passado está nos meus braços que tanto nadaram e não é fácil assim abandoná-lo.

Capitão, só o que peço é paciência. Peço que aporte nos mais prazerosos portos para que eu possa lhe mostrar que nem tudo que sabe é suficiente, não suma por entre folias e carnavais - e não diga que me avisou sobre seu paradeiro, pois dormi sobre o convés e você não retornou -, quero que carregue comigo essa carga para que eu tenha em quem confiar, pois esse barco está quase no fundo capitão, eu posso sentí-lo bater nos arrecifes e eu vou afundar com ele. E dessa vez, vai ser definitivo.

Só peço, me ajude a remar, mas não fique só nisso. Temos muito a carregar capitã, temos piratas a enfrentar, temos ilhas por aportar, temos tesouros a descobrir. Remar, remar e remar, não basta, sem um destino, sem rumo, nem prumo. Então capitã, tem que me prometer que essa viagem não vai ser à toa, que realmente valerá a pena.
Que por você minha capitã, tudo vale a pena.
Que por nós valerá a pena.
Vamos Remar. Continuar a remar.
Como me disse capitã.
Re-amar.
Amar.

(Allan wagner, 03:23 - 04:08, 07/02/2012)

'Baseado em textos de Caio Fernando Abreu'

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